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14 fevereiro 2010

Magia Negra não é Candomblé.

Por Celeste d´ Alcântara Arruda - Iya Osairanle
      Iya Alda Funmilayo
(Informativo Alafiona - Dez 2009 - Pag 04)

A notícia (dia 16/12) de que uma criança de 2 anos encontrava-se com várias agulhas introduzidas no corpo pelo seu ex-padrasto chocou o Brasil, e possivelmente, pelo alcance da mídia, o mundo inteiro. Nas reportagens citaram a possibilidade de ser o resultado da prática de algum culto satânico que o ex-padrasto estaria praticando, com o objetivo de reaver o relacionamento com a mãe da criança. Em depoimento ao Fantástico (Rede Globo 20/12) afirma estar sendo orientado por uma suposta “mãe de santo” e o pior, induzido por um caboclo. A parte absurda de tudo isso é que existem pessoas praticando magia negra dizendo ser Candomblé, e sempre que aparecem barbaridades como estas na mídia, recai sobre o Candomblé.

No momento de informar os fatos, a mídia pouco se importa com o raio de destruição que está causando, jogando ao vento todo trabalho que eles mesmos vêm fazendo para a valorização das religiões. Quando as mesmas resolvem promover alguma defesa, chamam alguém incompetente que só faz piorar as coisas. Como aconteceu no programa Mais Você da rede Globo.

As emissoras que noticiaram tais fatos, não publicaram na mesma proporção as informações reais que poderia amenizar o problema: O Candomblé não pratica em seus rituais nenhuma oferenda ou sacrifício que fira a dignidade humana, ou que seja crime. Não se sacrifica seres humanos à divindade nenhuma no Candomblé. Nem mesmo aos Caboclos, que foram citados de maneira infame pelo padrasto criminoso, solicitam ou recebem perversidade para qualquer fim que seja.

Os registros que existem a respeito de agulhas enfiadas em coisas como forma de feitiço é coisa muito primitiva do culto de Vudu e, até mesmo este, não utiliza pessoas. As agulhas são introduzidas em bonecos, se o feitiço for verdadeiro a pessoa vitimada através do boneco sente as dores nos locais correspondentes aos dos espetados pelas agulhas.

O Terreiro São Bento já participou de uma matéria do fantástico (Êxtase – Ritos Sagrados) e a Sacerdotisa Macota Valdina Pinto vem fazendo, uma importante participação em outro programa (Sagrado) ambos exibidos pela rede Globo, infelizmente, por enquanto somente a TVE e Rede Globo se propõem a fazer uma apresentação positiva do Axé a fim de mostrar para o mundo o equivoco que há em comparar o Candomblé com cultos satânicos, as demais emissoras estão todas norteadas pelas Igrejas Neo-pentecostais.

Precisamos registrar que não temos demônio para receber nenhum tipo de oferenda no Candomblé. Essa criatura é de ancestralidade cristã, não existe em nossa cultura religiosa. Estes cultos satânicos criminosos são praticados por muita gente, desde os primórdios até os dias de hoje, menos pelo povo de Axé, que cremos o Orixá está em todo ser humano no momento que nasce, portanto, seria uma contradição sacrificar humanos.

O que certamente acontecerá é o surgimento de um novo pastor dentro da penitenciária, salvo pelo “Sr. Jesus”. Um homem que um dia foi capaz de fazer tal perversidade com uma criança tomará o púlpito dos salões das igrejas evangélicas. E depois de convertido, tudo será esquecido, e o que ele praticou será testemunho de fé.

Sacrifício de Animais no Candomblé

Sacrifício de Animais no Candomblé.

Por Celeste Osairanle

“... Como pode eles se considerar uma religião de culto a natureza quando tiram a vida dos bichinhos?...” (Informatvo Alafiona - Dez/2009 pag 08)

Caminhando pelas ruas de Salvador, ouvi um comentário rápido, mas contundente de um jovem que questionava dizendo: “... como pode eles se considerar uma religião de culto a natureza quando tiram a vida dos bichinhos? Como uma prática dessas pode ser preservação da natureza?” Até eu me questionei a respeito dessa indagação e partir para busca de argumentos a partir da compreensão fidedigna dos dogmas de minha religião. Não a toa que eu escutei esse comentário. O que trago para meus irmãos de Àsé (Axé) neste texto é justamente o que considero a concretização desta compreensão. Poderíamos discutir muitas teses a respeito deste dogma que é o mais polêmico deles. Teríamos páginas e mais paginas para justificar. Mas apresentarei aqui um resumo prático.

No culto às divindades, desde os primórdios, eram comuns as oferendas matérias com vários propósitos: Agradar aos deuses para que a colheita fosse farta; para que as intempéries não abatessem as civilizações; para purificar o alimento que será consumido a fim de torná-los mais fortes; para que o mar fosse generoso na hora da pescaria, etc.

A prática da oferenda de animais não é uma especialidade do Candomblé, outras religiões, a exemplo do Islamismo e Judaísmo, também oferecem animais em seus rituais, cada um de forma peculiar.

Matar é crime? Depende do que se mata?

“Todos os seres vivos nascem, crescem, reproduzem e morrem” ou são assassinados!

Algumas vertentes religiosas e sociais consideram primitivo o ato de “matar animais”, mesmo sendo para comer. Quando o alimento é submetido a algum tipo de ritual para ser comido é interpretado de forma satânica. Se pensarmos no ato de matar ou na condição de morrer, identificamos a morte de várias espécies tão somente para matar nossa fome e para o deleite do paladar. Neste contexto, matamos as flores ao serem colhidas, os legumes, os cereais, as nascentes de rios exploradas até o limite de seu potencial, etc. O fato de a oferenda ser um animal, classe a qual pertencemos, é o que torna questionável o ato de matar. A semelhança da cor e consistência do sangue dos animais causa uma sensação de estarmos cometendo um ato de violência, diferente do que podemos perceber, quando colhemos carinhosamente a flor para enfeitar a casa, a igreja e o cemitério. Certamente teríamos igual sentimento de estarmos cometendo um “assassinato”, se ao colhermos a flor, desta jorrasse sangue vermelho. Surgiriam grupos sociais de proteção e preservação das flores e das verduras pois estas nascem, crescem, reproduzem e morrem.

Observando a cadeia alimentar nos encontramos sentados no topo, comendo tudo que achamos possível ser comido para sobrevivermos, comendo até a nossa própria espécie. Parece macabro, não? Mas existem registros de fatos dessa natureza. Se a ciência afirma que podemos viver tranquilamente com saúde, sem a necessidade de comer bichos, realmente precisamos de um forte incentivo para deixaremos essa prática perversa. Teremos também que nos preparar psicologicamente para a convivência, passiva, mas intensa com nossas antigas presas, a julgar pela quantidade de bichinhos com os quais teremos que dividir espaço, e claro, comida também.

É certo que não podemos sair por ai matando os animais de forma desordenada, espécies raras e em extinção, como algumas casas de Candomblé, mal orientadas, vêm fazendo. Existe todo um contexto dogmático-espirito-religioso para se proceder as oferendas de animais no culto.

Que tal então um Candomblé Vegetariano?

Afirmando estar contribuindo para a “evolução” da religião, já existe terreiro de Candomblé vegetariano por ai. Gente que considera ter feito um trabalho de purificação e evolução das divindades oferecendo flores, e frutas porque a Mãe de Santo dessa casa é então vegetariana. Analisando essa proposta evolucionista para o culto do Candomblé, encontramos vários elementos a discutir: Qual a verdadeira identidade dessa religião? Qual a origem dessa crença em que se oferecem animais a divindades? O que é real e o que é interpretação equivocada? Se for possível modificar os dogmas, será também possível descaracterizar e transformar toda a origem das várias religiões existentes em nosso mundo. Deixando de lado as bases históricas e partindo-se para a transformação evolutiva de todas as formas de fé. Poderíamos então transformar culturas milenares de nossa história a fim de torná-las superiores, eliminando os pés descalços dos Orisa (Orixá) nos barracões, as vasilhas de barro utilizadas no culto de Omolu e Nàná (Nanã), onde estes certamente deixariam de ser cultuados uma vez que são seres, ultrapassados, primitivos que não evoluíram, por isso ainda são criaturas do barro. Òsòósi (Oxossi), o caçador, terá seu culto extinto, nem quero mencionar a tradicional Feijoada do Orisa Ògún (Ogum).
(depoimento da Iyalorisa vegetariana disponível em: http://www.anda.jor.br/?p=2812 )

Devido às más interpretações pouco se sabe hoje do que é realmente sagrado no Candomblé, o que passou a ser apenas a repetição do que se tem posto sobre as religiões de matriz Africana e o que é original. Não se pode negar que toda atividade humana está em constante transformação uma vez que somos seres pensantes e inacabados. Mas, avaliando-se as origens das culturas espalhadas pelo mundo, e a necessidade de manter as tradições, torna-se perigoso a adoção de práticas que negam a continuidade de uma cultura.

Identificamos que está forçosamente acontecendo uma modificação das religiões e culturas em função dos interesses pessoais daqueles que se tornam adeptos desta ou daquela religião. O que nos leva a crer então, que não há um Deus nem um demônio controlando tudo, responsável por nossos atos e induzindo-nos, pois estamos sujeitos apenas ao nosso livre arbítrio. Tudo é invenção humana de Deus ao Demônio, e a partir disso, tudo está em constante evolução junto conosco, seres inacabados. Todas as crenças estão sujeitas a nossa vontade. Orixá não precisará de oferendas de animais, porque evoluímos, e eles, como nossos subalternos e invenção nossa, beberam do nosso progresso, abandonando o sacrifício de animais para sempre. Boa proposta? Precisamos refletir a respeito.

Nota: Em alguns estados brasileiros, o sacrifício de animais nos rituais religiosos já esteve no banco dos réus a exemplo de São Paulo e Rio Grande do Sul, que possuem leis estaduais de proteção aos animais, e que colocam em discussão legal a viabilidade da prática como culto religioso. A coisa é séria!


Qual a semântica Yoruba para que sacrifício de animais seja traduzido como “matança”?

Com a falta de informação oriunda do processo de escravidão que descaracterizou a identidade do Negro, e o total desconhecimento da língua mãe, fez com que os termos utilizados para denominar alguns dos rituais do candomblé, tivessem sentido pejorativo, por racismo mesmo. A tradução das palavras balbuciadas pelos escravos, também não contemplavam de maneira positiva o significado delas em Yoruba, Banto, Jeji etc. O que recebemos como tradução, e o que foi disseminado até os dias de hoje como ritual: “Matança” ou mesmo o nome sacrifício, trazem consigo um sentido que não traduzem o que para as religiões africanas é então a oferenda às divindades, independente de que finalidade a mesma tenha, resumindo-se todas elas em Yorubá, por exemplo, como Oro (Orô). E em outras nações – línguas – também outras nomenclaturas.

Em Segredo

O verdadeiro porque de oferendas de animais no candomblé não é revelado a quem vai tornar público. Eis porque, até hoje, mesmo existindo rejeição dos próprios adeptos da religião, essa prática permaneça. A questão é que muita gente entra para o Candomblé com formação cristã, e passa a pregar como evolução não oferecer animais à divindade.

Aos que recriminam a prática, não é, e nem será revelado os reais motivos. É aconselhável que pessoas sensíveis a este tipo de ritual, não adentrem as religiões que tem o hábito de realizar oferenda de animais as divindades. Para evitar justamente o conflito ideológico. Pensar que é uma contribuição para a sociedade religiosa do Àsé (Axé), tornar vegetarianos os Orixás e com isso servir um cardápio de oferendas “saudáveis” às divindades como forma de evolução, é apenas mais um passo firme para o surgimento de uma nova seita a ser seguida, como tantas que tem por ai, do que há de mais primitivo ao Universo em Desencanto. Tem gosto e fé para tudo.

O que esperamos do nosso povo, os que verdadeiramente seguem o conhecimento que mantém vivo o Ori Àsé (ôri axé) – Imolé das divindades africanas é a compreensão de não revelar os segredos a quem não está preparado para mantê-los. Ainda não sabemos efetivamente de onde viemos, nem para onde iremos o que temos são suposições, nossa origem e destino é segredo, assim como os dogmas do Candomblé. Uma pessoa vegetariana pode ser mãe de qualquer coisa, menos Iyalorisá, certamente a ela não foram revelados os mistérios que a faria mantedora dos conhecimentos ancestrais.

Não devemos matar o que não comeremos, e é lei de sobrevivência matar sempre a nossa fome, seja lá com o que for possível ser comido, desde que tenhamos certeza de que sejam para nos manter vivos. O deleite de escolher entre origem animal e vegetal de nossa alimentação é uma questão de fome, recurso, gosto e fé.