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30 outubro 2012

Refletindo sobre desperdício.



Refletindo sobre desperdício.
Celeste Osairanle


Na sociedade consumista em que vivemos, o desperdício é um hábito. Um mau hábito. Nosso lixo vem se tornando cada vez mais rico, encontramos desde a raspa do resto da comidinha até equipamentos eletrônicos em condições de uso. É um absurdo o que acontece com os equipamentos de informática, aparelhos que poderiam durar anos se bem conservados, mas que parecem ser fabricados  com o propósito de serem descartados de acordo com o tempo de garantia proposto pela fábrica. São tantas pecinhas miúdas que custam uma fortuna, e na hora de concertar e reaproveitar fica tão caro que o jeito é comprar outro. E o quebrado? Vai para o lixo!

E as embalagens caríssimas de perfume?  Desde o plástico do lacre até a ultima gota do perfume, e aqueles frascos maravilhosos que são atração fatal para o bolso? E as lâminas de barbear com aquele cabinho lindo! Escovas de dente que parecem objetos de outro mundo, embalagens de maquilagens, e tantos outros utensílios que são descartados todos os dias mundo afora? Não se trata de desperdício? Sim. E uma passiva e cotidiana destruição do planeta.   Alguns produtos têm a possibilidade de serem reciclados e outros que de forma alguma poderão ser reutilizados, superlotam os lixões das grandes cidades. A maioria das empresas que geram os produtos não recicláveis, pouco investem na solução para seus descartes. Tem uma marca de creme dental, que além de utilizar uma embalagem metálica para acondicionar o creme, ainda tem sua caixa toda de plástico, que não serve para nada em nossa casa.

Quando se trata de alimentos a coisa fica pior, de um lado toneladas são jogadas ao lixo das residências, dos restaurantes e das fábricas, do outro, milhares de pessoas morrendo de fome. E nem pense em fazer uma quentinha pra dar na porta. Se o morador de rua passar mal com a comida, você poderá ter sérios transtornos. Soluções? Estamos em busca delas, mais seria bastante evitarmos o consumo desmedido de produtos desnecessários, com embalagens que brilham aos olhos, custam no orçamento e na natureza. Se não houver consumidor, não haverá produto. E assim as empresas terão que repensar sua produção.

Oferenda não é desperdício!

É na alimentação que se concentra o ponto crítico de nossa reflexão, a situação do Candomblé, religião que historicamente alimenta pessoas com o propósito apenas espirito energético e que, contraditoriamente, “joga” comida fora!

Ouvi há algum tempo uma atriz na televisão dizer-se indignada com “esse pessoal que joga galinha e comida nas encruzilhadas. Deviam ter vergonha na cara e alimentar quem tem fome!”.  E então, o que dizer disso?

Oferenda a Sàngó na pedra dentro da mata - TSB 2012
São muitas as indagações e questionamentos às práticas religiosas do Candomblé, sobretudo hoje, numa sociedade “culta” onde tudo deve ser justificado com argumentos científicos, fundamentados no bom senso e no politicamente correto. Já não se pode mais esperar que um filho de santo apenas repita aquilo que já é tradição do seu mais velho, é preciso saber o porquê e pra que se faz isso ou aquilo no Àse.  Se causa desconforto, vergonha ou escárnio, não seria melhor extinguir esse costume?

O jovem Omonisa aos seis meses também come o alimento sagrado.
 Aceitar a suposta evolução proposta por alguns sacerdotes e sacerdotisas, aqueles que classificam como primitivo no Candomblé tudo que é usado para nos discriminar e nos inferiorizar, seria a melhor solução?  Não estaríamos nós, ao ceder, dissimulando a extinção de nossa religião?  Na rejeição e críticas tão severas que temos aceitado, estamos sim extinguindo nossos rituais.  Rituais estes, que na fé dos antigos, foram fundamentais condutores das energias cultuadas para nosso fortalecimento espiritual.  Estamos perdendo o direito de colocar uma oferenda na rua, ou no mar, sacramentar nosso alimento e oferece-lo nas várias formas de doação à natureza que conhecemos.  Se não foi assegurada a prática pelo folclore, ou não recebeu a “patente” de festa popular, o que observamos é que não tem constituição que faça valer nosso direito de crença.

Apesar dos conceitos cruéis de alguns seguimentos da sociedade Brasileira, da internet, televisão e rádio que falam qualquer coisa baseados em equívocos, e que não sabemos quais os critérios usados para as informações,o Candomblé se mantém resistente buscando apoio nas leis que quase nunca nos contemplam. Tem sido cada dia mais difícil para as Ìyálórísá  manter  suas casas de acordo com os ensinamentos  recebidos de seus ancestrais.

Oferenda Feijoada de Ògún - Alimento para todos que chegarem no Ile Ase
e o excedente e distribuído na comunidade vizinha em quentinhas.
Não há desperdício no Candomblé. Temos vários rituais que designam a energia dos alimentos para quem é de direito, da forma que foi determinado pela divindade. Não cobramos nada pelo prato de comida que damos nas festas públicas. Não fazemos jejum, nem cultuamos a fome. Todos os rituais no Candomblé tem comida, fonte de energia vital para qualquer ser, tão sublime e necessária que seu perfume alimenta os espíritos. Nem todos os famintos podem entrar no Terreiro pra comer, material ou espiritualmente. Essa é uma linguagem só entendida por quem tem a sensibilidade para tal.

Então, será que você nunca viu gente comendo nas encruzilhadas ou pessoas catando comida no lixo? Você não joga comida fora? Qual a sua responsabilidade na fome mundial?  O povo de Àse não entende oferenda como desperdício, nós alimentamos quem tem fome de toda forma que nos é possível. Para nós, espírito também come.

Texto de Informativo Alafiona nº 12 - coluna Bawijo pag 7/8

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