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17 agosto 2009

Iyabase, Mãe Senhora da Cozinha


Por Celeste Arruda

As oferendas para as divindades do Candomblé em forma de alimento é, sem dúvida, o ritual mais importante no Asé (Axé). Levando-se em consideração que o alimento é a principal fonte energética para sobrevivência dos seres humanos, e sendo o Candomblé o culto a natureza, ao ciclo da vida e o bem estar, leva-nos a entender que a Iyabase (Iabacê) é a detentora de um dos cargos de maior relevância dentro do culto.

Considera-se uma autentica Iyabase a senhora, acima de 60 anos – livre do período menstrual – que gerencia e executa todas as atividades relacionadas à alimentação no Ile Asé( Casa de Axé). Ela conhece todas as oferendas, a forma de cozimento, temperos, o ponto ideal no preparo para cada divindade, enfim, toda alquimia até alcançar o formato e sabor característico de cada prato. Geralmente a Iyabase é primeiro confirmada como Ekeji (Equede) do Orisa (Orixá) responsável pela casa, depois de algum tempo aprendendo com as próprias divindades através da Iyalorisa, e participando intensamente das atividades da cozinha do Ile Ase, ela aguarda até a sua idade senhoril, geralmente após os seus 21 anos de iniciada no Asé para ocupar o cargo de Iyabase. Apesar de existir homens que sabem cozinhar no terreiro, esse cargo é, só e unicamente, ocupado por mulheres.

Não é tarefa fácil, é preciso aprender prato por prato e seus respectivos segredos, memorizando-os, e ainda a peculiaridade da divindade que rege o Terreiro, e que costuma determinar o tempero, as partes a serem servidas e como, às pessoas e aos Orisa (o Insé - Inxé).

As oferendas no candomblé podem parecer comidas típicas de uma herança cultural ou mesmo folclórica, mas, no cotidiano sacerdotal, nota-se uma diferença considerável no seu tempero, cozimento e modo de falar os nomes. Não se pode inovar usando determinados temperos e condimentos modernos como caldos prontos, conservas e corantes. Por exemplo, bater o coco, ou a cebola no liquidificador, etc. É obrigatório o uso do ralador manual, primitivo. Jamais usar panelas de pressão. A cozinha do Asé é com panela de barro no fogão a lenha, carvão, ou trempe. Isso determina o sabor e o aroma que agradará os Deuses. São três os cargos da cozinha: Iyabase, mãe da cozinha a senhora de toda a cozinha, a Iyasinje é a cozinheira e a Iyajemin que armazena e distribui a comida.

A dedicação e respeito que a Iyabase deposita em seu ofício de sacerdotisa faz a diferença em muitas casas de Asé. O ato que compõe, basicamente, todas as atividades ritualísticas do Candomblé está fundamentalmente ligada à doação do alimento em todas as festividades. O jeito mais simples e solidário de distribuir o denominado Asé.

A mão da Iyabase é sagrada. São mãos delicadas e poderosas que preparam o alimento. Mãos que merecem louvores. O respeito e abnegação desta senhora pelas divindades e por quem nelas acreditam é tanta que nos inspira a bondade. No Terreiro São Bento, a água da talha ou dos potes, o chá de capim-santo ou de cidreira, o mingau simples em jejum, tudo isso faz parte da generosidade dessa Iya. Se para toda a nossa sociedade o ato de comer é sagrado e insubstituível, para o culto Olorisa é a mais fina expressão da palavra fundamento, Asé.

A Nossa Senhora da comida, Celeste Reis d´ Alcântara - Alase é professora aposentada, viúva a 34 anos e Ekeji(Equede) de Osun Alaki do Ile Ase Orisanlá J´Omi – Terreiro São Bento há 23 anos. É autentica filha de Iyemanjá Assabá. Há 20 anos no cargo de Iyabase, do alto dos seus 86 anos de idade é lúcida, e permanece à frente da cozinha do Ile Asé com todo seu vigor e segurança no que faz. Seus cabelos brancos prateados e suas mãos enrugadas encantam e envolvem com carinho todos que provam o sabor das suas iguarias.


Uma homenagem do Terreiro São Bento à pessoa mais velha de nossa casa. (Publicado em Alafiona - nº7/2008)



Da palavra

Por Celeste Arruda
Carlinhos Brown já diz em uma canção:“... Os livros não são sinceros...”. E pensando a respeito precisamos ter cuidado com o que lemos. O advento da tecnologia facilitou para muita gente o acesso a edição de um livro. Tem muita coisa séria, e muito absurdo também, espalhado por ai.
Vivemos uma democracia que nos permite a todos, escrever, dizer, cantar, falar, usar da palavra da maneira que quisermos a respeito do que desejarmos. O desafio é a responsabilidade de adquirirmos educação e bons conceitos que nos permitam discernir e saber selecionar a boa música, a boa leitura.
Ao buscarmos conhecimento a respeito do culto ao Orisa, onde temos escassos depoimentos valorosos, esse tal uso da palavra se faz necessário e constante, em função disso tem muita gente falando, mas, o que temos a disposição, de qualidade e valor, é raro. Existem muitos livros escritos sobre Orisa, Nkissi, Vodun, Exu, Caboclos, falando o possível e o impossível, ensinando a “fazer santo” e tudo mais, em nações e cultos variados, a todo gosto.
O fato de encontramos “enxurrada” de livros com informações a respeito de uma religião que, a algum tempo atrás, nem era reconhecida como tal e da qual pouco se falava, é um forte motivo para se refletir a respeito dessa onda de orientadores impressos por ai. Insistimos em dizer que, raro, raro é o autor que tem base e fundamento para falar das Divindades Africanas e dos seus respectivos cultos.
O que aconselhamos aos nossos leitores é que busquem a orientação de seus mais velhos, sempre. Esta é a mais segura fonte de informação, assim como, em algumas poucas casas de Asé, as próprias divindades nelas cultuadas podem ser, dependendo da fé e do respeito a elas atribuídas, uma fonte inesgotável de revelação dos mistérios do Axé, e partindo verdadeiramente delas, certamente, o segredo só será revelado aqueles que saibam reverenciá-lo e preservá-lo.
Publicado em Informativo Alafioana - nº7/2008

Procissão de São Bento - Vera Cruz/Ba








14 agosto 2009

Nossa História

Após o falecimento de Baba Muteibi – Seu fundador – o Terreiro São Bento permaneceu fechado e a propriedade foi vendida restando apenas os assentamentos dos Orisa e alguns utensílios. Em 1987, Dilson Gomes Arruda – Baba Funrile , afilhado e filho de criação de Alcides – Muteibi , herdeiro do cargo de Babalase, juntamente com sua Esposa Alda d´Alcântara Arruda – Iyalorisa Osun Funmilaio, reabrem o São Bento na Rua Jaime Muller nº15 - Tancredo Neves (atual sede administrativa). No início do ano de 1990 Dilson e Alda, por ordem do Orisa, transferem o Terreiro para Água Potável na Ilha de Itaparica no município de Vera Cruz onde recebem a visita do Sacerdote de Ifa vindo da Nigéria, Asa Taiweo, confirmando através do jogo do Opelé Ifá a inclusão do nome Ile Ase Orisanla J´Omí (Casa de força das Águas de Orisanlá) ao antigo nome do Terreiro São Bento e firmando ali o Ase. Em 2002, no intuito de preservar a existência do espaço físico do Terreiro e de seus objetivos espirituais, foi constituída legalmente a Irmandade Sócio – Religiosa e Beneficente Ile Ase Orisanla J´Omi – Terreiro São Bento.

Porque São Bento.


 

Quando da fundação do Terreiro São Bento em 1934, era latente a perseguição às casas de Axé pela polícia. Com o desconhecimento dos nomes de origem africana em função do processo de escravidão foi de grande importância a adoção de nomes de Santos Católicos para a identificação das casas de Axé da época.

Sabendo da história de vida de alguns Santos Católicos e da relação espiritual destes indivíduos com as divindades africanas e, tendo em vista a situação violenta de racismo étnico cultural, muitos líderes das casas de Candomblé da Bahia tiveram como solução para exercer seu direito de culto o sincretismo. Assim, o santo Católico São Bento com seus ensinamentos de doutrina, que se assemelhavam ao rigor e intransigência de Baba Muteibi – Alcides, foi eleito patrono do Terreiro de Oxalá dedicado a Omolu.

Após muitos anos de pesquisa e de consultas aos caboclos responsáveis pela continuação desta casa de Axé, foram encontrados vestígios de uma história que traz para seus atuais filhos, a missão da procissão de São Bento feita por sua Irmandade em Vera Cruz/Itaparica- Bahia, realizada sempre na primeira semana do mês de Setembro. De pés descalços pela estrada de barro, os filhos de santo entoam cânticos católicos. Vestidos de branco, carregam a bandeira da Irmandade e o andor do Santo Católico.

Essa prática de ir para a estrada levando a imagem de São Bento, simboliza a resistência de um povo que superou a escravidão, o racismo, a discriminação e a perseguição policial e se manteve cultuando as divindades, afro descendentes ou não, que encontraram no Terreiro São Bento o abrigo seguro da fé e do respeito.


 

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